
Mais uma vez, o barcamp de Curitiba foi baseado na Tecnologia do espaço aberto (TEA, ou OST em inglês, de Open Space Technology), uma abordagem para situações nas quais um grupo diverso de pessoas deve lidar com questões complexas de forma produtiva. Neste relatório, vamos apresentar a discussão feita no barcamp de julho, ocorrido no dia 22/07/17.
Estes foram os temas propostos para discussão:
- Recursos on-line de português;
- Construção de glossário;
- Cursos e ferramentas de organização;
- Saúde da tradutora;
- Como trabalhar para agências;
- Síndrome do impostor;
- Posicionamento no mercado;
- Curso de Memoq;
- Podemos colocar trabalho voluntário como trabalho mesmo no currículo em vez de separar em outra sessão?
Como estávamos em menos pessoas que na reunião anterior, discutimos quase todos os temas, menos os últimos três (sendo que o último foi discutido no grupo do Facebook posteriormente).
Começamos então falando da construção de glossários, e os presentes relataram as dificuldades que geraram a proposta do tema. Uma das principais é qual ferramenta usar: Excel, Google Docs, ou qual outra? Vários usam as duas primeiras, outros usam os glossários criados nas CAT tools e também há quem prefira guardar termos novos em papel e organizar depois. Nem sempre o tempo permite montar um glossário na hora, então é sempre bom anotar em um local centralizado para organizar depois, se for o caso. Mas é preciso guardar logo, pois pouco ou muito tempo depois pode aparecer o mesmo tema e a mesma dúvida. Quando se trabalha em equipe, é preciso usar ferramentas que se possa compartilhar, seja Google Docs ou formatos de arquivos simples, que possam ser usados por qualquer CAT, como txt. Uma questão levantada foram as dúvidas entre variedades de espanhol, que podem causar confusão, então passamos à questão específica de discussão de glossários em CAT tools.
Como alguns dos presentes trabalham com o OmegaT, a conversa se estendeu para as formas de organizar glossários nesta CAT tool. Como os glossários no OmegaT têm três colunas, é bom usar a terceira para escrever de qual projeto ou área o glossário faz parte, além das siglas de idioma, como por exemplo, PT-ES-Agricultura. Isso resolve a questão de variedade que havia sido discutida antes. Nem todos sabiam que o glossário é usado pela ferramenta em ambas as direções, diferente das memórias de tradução. Por exemplo, para quem traduz do inglês ao português, é preciso ter memórias de tradução IN>PT e PT>IN (se a pessoa fizer versões também), mas os glossários podem ser um só, seja IN>PT ou PT>IN, o programa apresenta os resultados na direção que estiver sendo usada. Há dois vídeos gravados em português sobre glossários no OmegaT, da Thelma Sabin e da Sheila Gomes. Outro recurso do programa é o External Finder (Opções > Editor > External Search), que pode ser configurado para fazer buscas em sites especificados pelo usuário ou localmente, nos arquivos de glossários mantidos no computador.
Outras dicas mais gerais foram:
- É bom acrescentar ao glossário termos comuns, que aparecem constantemente, como dias da semana;
- Glossários com entradas diferentes para o mesmo termo original é mais útil nas CAT tools;
- Organização de pastas por idiomas é outra prática;
- Fazer o cruzamento de idiomas quando a busca direta de um idioma a outro não rende resultados aproveitáveis (do inglês ao espanhol e depois ao português, por exemplo).
Então surgiu a dúvida: o que é melhor, glossário geral ou por cliente? Uns preferem geral (como na área juramentada muitas palavras se repetem, é mais útil) e outros separam por cliente ou por área (engenharia, agricultura, informática, etc.). Quanto a recursos para busca, consulta e conferência de termos em geral e em todos os idiomas, os seguintes programas e sites foram sugeridos:
- File Locator Lite, para buscas locais no computador;
- Golden Dict, um agregador de buscas que consulta dicionários locais em vários formatos e sites também;
- XBench 2.9, um programa tradicionalmente usado para QA, mas que pode ser usado para buscas também (aqui está um vídeo explicando como funciona);
- Power Searching with Google, feito por um engenheiro da Google;
- Acronym Finder, para busca de acrônimos e siglas;
- Curso do Coursera de busca no Google;
O uso de navegadores e seus respectivos recursos também foi discutido, com preferências declaradas pelo Safari, or ter um sistema de busca melhor, e o Chrome, pelo grande número de extensões.
Fomos então à discussão de recursos on-line de português. Uma das primeiras sugestões foi o Dicionário Criativo, que traz significados, antônimos, sinônimos e palavras relacionadas em português. Para gramática e práticas recomendadas de uso do português, a sugestão é o guia de estilo da CCAps. Outro recurso importante é o VOC, o Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa, que contém o VOLP atualizado e ainda mais recursos, inclusive da maioria dos outros países falantes de português no mundo.
O assunto mudou então para ferramentas que podem ajudar na organização do trabalho do dia a dia, não apenas com glossários. O All in One Messenger é um programa que agrega vários outros programas de mensagens instantâneas, como Skype, Whatsapp, Slack, etc, numa mesma janela. O Text Mechanic agrega várias ferramentas de diagramação e organização de textos, para prepará-los antes de inseri-los em CAT tools, por exemplo, entre outras utilidades. O WorkFlowy cria uma lista de tarefas em forma de árvore, on-line e acessível de qualquer dispositivo. O Gingko é uma ferramenta de escrita de textos em forma de árvore, muto bom para organizar ideias ou escrever artigos.
O próximo tópico foi saúde da tradutora, uma questão tão importante quanto difícil de observar. De forma geral, todos concordam que é importante consumir muita água durante o trabalho e exercitar-se ao menos três vezes por semana. E além das formas tradicionais de exercício em academia, por exemplo, há quem participe de caminhadas organizadas, use esteira em casa, faça massagem ou caminhe com o cachorro. No último congresso do ProZ, em Curitiba, Martha Gouveia da Cruz recomendou lugares em Curitiba, que devem ser divulgados no grupo do Facebook. Duas sugestões práticas foram o uso de uma luva especial, que ativa a circulação e pingar colírio ou soro fisiológico no canto do olho.
Uma questão a levar em consideração é relógio biológico de cada um, principalmente por causa do horário de acordar. É importante conhecer-se e aos seus limites, para respeitar o próprio corpo, pois o sono é importante, mas as necessidades de cada um(a) são únicas. A rotina flexível do profissional independente permite fazer isso com mais facilidade. Mas é preciso organizar as coisas para, por exemplo, não aceitar trabalhos em condições que causem estresse e esgotem mais que o próprio trabalho.
Passamos então ao tema síndrome do impostor, uma questão que preocupa tanto iniciantes como veteranos. Por causa da forte cobrança social em relação ao tipo de trabalho que fazemos, muitos sentem que não são dignos ou preparados o suficiente para assumir a tradução como profissão. Há questões culturais, como o caso contado por uma pessoa nativa da Argentina, onde é preciso fazer faculdade para ser tradutor. E no Brasil, muitos tradutores não têm formação específica em tradução, uma situação comum inclusive na tradução juramentada, e um fato que colabora para essa sensação de “fraude” pela qual muitos de nós passamos. Há, por exemplo, uma pressão grande para morar fora, uma experiência que algumas pessoas dizem ser imprescindível ao bom tradutor. Mas isso não é algo possível a todos, e na verdade, muitos tradutores que não tiveram essa oportunidade realizam um bom trabalho e se mantêm no mercado.
A preparação é parte importante para combater a síndrome do impostor, então fazer cursos é uma alternativa para aprimorar conhecimentos na áreas em que se sente necessidade. A oferta de cursos on-line é cada vez maior, mas há quem prefira cursos presenciais pela vantagem extra de ver abordagens diferentes para o mesmo problema, não só da parte de diferentes professores, mas também dos colegas, que têm as mais variadas origens e experiência. Uma preocupação é que há uma variação grande de qualidade dos cursos oferecidos hoje, seja nas versões on-line ou presencial: nem todos entregam o que prometem. Como alternativa, outra forma de aprimorar-se sem fazer cursos específicos é ler o mesmo livro nos idiomas diferentes com que se trabalha.
Outra questão relevante sobre a síndrome do impostor são nossos próprios padrões e expectativas. Foi contado um caso em que alguém está fazendo um trabalho que estará exposto a outros tradutores, então a pessoa sente-se pressionada pelos próprios padrões de perfeccionismo. Como trabalhamos quase todos muito isolados, às vezes nos falta um patamar de comparação para saber se o que fazemos é bom o suficiente. Nesse caso, grupos como o nosso e discussões coletivas ajudam bastante a “calibrar” essas expectativas e padrões.
O medo de novas tecnologias tirar nosso trabalho também contribui para a nossa insegurança, pois há uma pressão cada vez maior para os tradutores se aprimorarem, para não serem comparados à máquina. E isso não se restringe à tradução, pois já há programas alimentados por inteligência artificial que estão tomando o lugar de advogados em parte dos processos legais, por exemplo. É bom conhecer a realidade de outras profissões, por mais que isso não seja o caso na tradução automática. Programas como o Google Tradutor ainda não estão tirando lugar do tradutor profissional, pois nem todo tipo de tradução pode ser feita pela tradução automática que existe hoje. E o que nos diferencia da máquina, nossas habilidades humanas de comunicação, organização e referência é o que mais nos destaca.
Também há expectativas irreais das pessoas leigas a respeito do que um tradutor pode fazer, pois elas acham que temos que ser especialistas em tudo, falar e escrever. Ainda há muita desinformação sobre a diferença do trabalho de tradutor e intérprete. Muitos tradutores escrevem bem, mas não necessariamente falam bem nos idiomas com que trabalham. O que um tradutor faz bem como parte do ofício é ler e interpretar. Somos preparados sobretudo em escrever bem, especialmente em nosso idioma nativo. Por isso que fazer versão ainda é algo que inspira cuidado… e coragem.
Uma situação comum e difícil de lidar é quando o original está mal escrito, o que interfere diretamente na nossa capacidade de produzir um bom resultado na tradução. E às vezes há erros no original, o que causa dúvida a alguns, que não sabem como avisar o cliente sobre esses erros sem ofendê-lo. Discutimos e chegamos à conclusão de que a forma em que nos expressamos faz diferença, nunca devemos implicar que houve ignorância, mas possivelmente uma distração que levou ao erro, por exemplo. Pois mesmo nós erramos, e às vezes uma tradução que parece fácil pode trazer armadilhas de interpretação em que podemos cair.
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Sheila, já peguei o relatório do Barcamp de 22/07/17 aqui. Obrigada.