
Coisa rara é ouvir elogios da sua tradução, pelo menos vindo de agências. Clientes diretos costumam ser mais generosos nesse sentido. Mas você sabe que tudo vai bem quando as agências não reclamam e, pelo contrário, solicitam cada vez mais o seu trabalho. Outro dia, porém, tive uma gratíssima surpresa quando uma gerente de projetos espontaneamente me disse: “sua tradução estava espetacular!” Se me pergunto como conquistei esse reconhecimento, vejo que tudo começou com um desafio.
Segundo ano de faculdade, 1992, um amigo me pede para traduzir um texto de uma página. Dou uma olhada e respondo: “Ok, amanhã te entrego”. Duas horas depois de começar, não terminara nem o primeiro parágrafo. Fiquei intrigado: pra ler, parecia tão fácil, mas, pra traduzir… As frases que eu produzia, definitivamente, não me agradavam. No dia seguinte, pedi desculpas e avisei que tinha desistido porque estava muito difícil.
Essa primeira tentativa, embora frustrada, me instigou. Tinha algo de muito atraente para mim na tradução: um desafio que exigia conhecimento, raciocínio, capacidade de análise, de pesquisa, de solução de problemas, e, claro, habilidade redacional. Um ano depois, publiquei minha primeira tradução num fanzine literário da UFJF. Desta vez: desafio vencido.
Depois, formado em Direito, movimento fraco no escritório, aceitei traduzir livros para um cliente particular, isso em 1996. Encarei com alguma segurança a empreitada, pois, entre aquela tradução publicada e este primeiro trabalho pago, eu havia descoberto num sebo, lido e relido avidamente, o Escola de Tradutores, do mestre e mentor Paulo Rónai, que me mostrou como os desafios da tradução podem ser bem maiores e mais específicos, mas que também me indicou o caminho para solucionar boa parte deles. Meu serviço foi bastante elogiado, daí recebi mais dois livros do mesmo cliente para traduzir. Quando finalizava o terceiro, resolvi fazer um mestrado pensando em aprimorar a qualidade do meu trabalho e assumir de vez a nova profissão.
Apesar da expectativa frustrada quanto a aprimorar-me como tradutor num mestrado teórico demais, comecei paralelamente a fazer traduções técnicas para agências de Campinas. Com seus manuais de redação e estilo, a prática diária e o feedback sobre meu trabalho, avancei rápido: em pouco tempo estava atuando também como revisor.
Outros fatores da minha formação, além dos citados, contribuíram igualmente para a qualidade percebida em minhas traduções: a paixão pela leitura desde a adolescência, o domínio de redação e gramática para o vestibular, a capacidade de interpretação desenvolvida na faculdade, o aprofundamento nos estudos de português, inglês e francês também nessa época, a capacidade de pesquisa aprimorada no mestrado…
Depois vieram centenas de laudas, milhares de palavras traduzidas, um curso de especialização em tradução e um doutorado, no qual mergulhei fundo no pensamento e na prática tradutória de Paulo Rónai, sedimentando ainda mais noções fundamentais de qualidade. Mas a semente disso tudo foi plantada em 1992, com um desafio que se repete, de certa forma, a cada nova tradução.
Adauto Villela, tradutor IN – PT e FR –PT, residente em Juiz de Fora, MG.