
Meu primeiro contato com a tradução foi aos 14 anos, quando resolvi botar um fim à minha frustração com a “demora” do quinto volume de Harry Potter em português. Com um final de semana de ralação para traduzir algumas páginas de A ordem da fênix, descobri que essa coisa de traduzir era difícil à beça e nunca mais disse um “ai!” para reclamar dessa suposta lentidão na publicação das minhas séries estrangeiras favoritas. No entanto, encarei a dificuldade em traduzir literatura como uma oportunidade para começar a ler em inglês e, com isso, acabei ganhando a fluência necessária que me abriu muitas portas no futuro. A tradução em si, porém, caiu no esquecimento e só foi ressurgir anos depois, em meio a uma das muitas crises de identidade que a faculdade de História me proporcionou.
Pois é, sou de humanas da cabeça aos pés: me formei em História, mas todo semestre ficava na maior dúvida sobre largar a faculdade. Apesar de toda a paixão e identificação com a disciplina, conforme avançava nos períodos, mais certeza tinha que as possíveis opções de exercício da profissão não me fariam plenamente feliz. Assim, durante um final de semana trancada em casa em meio a textos e fichamentos, resolvi relaxar folheando uns trechos daquele livro do Harry Potter e lembrei da minha tentativa meia-boca de traduzi-lo. Bazinga! Um curso de tradução! Será que isso existe? Tradução é uma carreira, não é mesmo?
Com uma rápida pesquisa na internet descobri um curso profissionalizante em Ipanema; cinco minutos depois meu teste para admissão no curso de formação de tradutores estava agendado junto com a prova prática para o curso de formação de intérpretes. Duas semanas depois começava, feliz e animada, minha dupla jornada oficial no mundo tradutório como aluna do Brasillis. Foram quase dois anos de sábados inteiros dedicados à tradução e à interpretação, onde aprendi muito e amadureci horrores, conhecendo um universo bem diferente daquele mundo romantizado que imaginava sobre ser tradutora (aquele ar blasé de livros, intelectualidade, cheirinho de café e uma máquina de escrever vintage, sabe?) e intérprete (Nicole Kidman entreouvindo conspirações políticas na sede da ONU). Fui apresentada a um universo de trabalho complexo, diferente de tudo que conhecia, repleto de desafios que me instigaram a continuar nesse caminho.
Assim, aos vinte anos, tinha dois diplomas na mão, uma graduação em História já na metade e, obviamente, zero experiência. Assim, me lancei no mercado trabalhando em agências, onde ganhei experiência tanto na interpretação quanto na tradução. Os dois anos e meio que passei como linguista in-house foram verdadeiros laboratórios, onde entrei em contato com os mais variados tipos de texto, aprendi a usar CAT tools, compreendi o processo de gerenciamento de projetos de tradução e fiz muitos contatos profissionais, alguns com os quais ainda mantenho parcerias e grandes amizades.
Entretanto, só em 2013 que fui entender a importância dos rumos que a minha vida vinha tomando com a tradução/interpretação. Eu trabalhava com o que gostava, mas não dentro das condições que gostava; meu esgotamento físico e mental já era latente e minha insatisfação se generalizava. Sabe aquela sensação de que a vida espera de você muito mais que 40 horas religiosamente trabalhadas? Pois é. Aproveitei a deixa de alguns colegas que migraram para o esquema home office e me aventurei nessa também. E não me arrependi nem um pouco: além de trabalhar em condições privilegiadas (poupo energia com deslocamento, meu escritório tem o meu jeitinho e é ergonomic-friendly, etc.), desde então pude ter tempo para cuidar de mim por inteiro, me conhecer melhor e justamente perceber que as minhas ocupações profissionais são parte de um todo muito mais importante: a minha vida, que precisa e merece ser bem vivida. Assim, com pouco mais de um ano já no circuito self-employed, resolvi aproveitar o dinamismo de ser uma profissional virtual e parti para uma nova aventura: o nomadismo digital. Em meados de 2014 lancei o Pronoia Sem Fronteiras, meu projeto de vida pessoal-profissional, em Buenos Aires, onde morei e trabalhei em um coworking space por três meses, mesclando o prazer de viajar e conhecer novos lugares com a rotina de trabalho.
O dinamismo da vida autônoma permitiu que eu me engajasse em projetos paralelos que também me proporcionam muita satisfação e crescimento pessoal: hoje, além de traduzir e interpretar, sou revisora e colaboradora da Revista Capitolina e participo da Rede Méier+, uma rede colaborativa de revitalização da Zona Norte carioca.
Além da flexibilidade de trabalho, a tradução e a interpretação são ofícios que mexem com meu perfeccionismo e autocrítica, dosando-os de forma que não sejam elementos da minha ruína, mas componentes de um profissionalismo crítico e sincero. No mais, estou exatamente onde queria estar: no presente, vivendo, não meramente existindo, realizada e fazendo o que gosto. E claro, se em alguma das minhas andanças eu esbarrar com a Lia Wyler, faço questão de me desculpar!
Carolina Walliter é tradutora e intérprete no par inglês e português, com ênfase em projetos nas áreas de marketing empresarial, recursos humanos, TI, transcriação e segurança do trabalho. Escreve sobre o cotidiano do tradutor no Pronoia Tradutoria, onde também divulga suas impressões empíricas sobre o fenômeno do coworking.