
“Tenho uma coisa pra te falar. Vamos conversar depois da aula?”
Lembro como se fosse hoje quando a professora de inglês me falou que uma outra aluna estava procurando uma estagiária de tradução. Fiquei encantada com a possibilidade! Isso foi em 1994. Fazia um ano e meio que eu trabalhava como auxiliar de escritório em contabilidade e já sentia que aquela não era a minha praia…
Eu amava (ainda amo) a Língua Inglesa. Aos 10 anos, meu passatempo predileto era pegar o livrinho de letras dos Beatles do meu pai, o dicionário Michaelis(!) bilíngue, lápis e papel para saber que raios os Fab Four estavam falando. Aos 11, comecei a estudar na escola dos sonhos: a Cultura Inglesa. Nunca faltei, sempre tirei 10. Cada vez gostava mais, mas ainda não estava claro para mim o que fazer com aquele conhecimento. Sabia que o inglês seria importante para o futuro de qualquer carreira, mas não tinha jeito para professora e, basicamente, ainda não sabia o que queria ser quando eu crescesse.
Nessa época, eu já conhecia uma tradutora. O mistério da profissão me fascinava. Certa vez, num evento de família, minha mãe me chamou para a conversa dizendo que essa pessoa fazia o próprio horário e, às vezes, ia ao cinema numa tarde de quarta-feira. Aquilo nunca me saiu da cabeça. Anos mais tarde, descobri que não era bem assim… mas fazer o próprio horário me serviu, e ainda serve, muito bem.
Voltando ao assunto: aos 18 anos, comecei a trabalhar na “…texto & cia”. Conheci pessoas maravilhosas, profissionais admiráveis e tive oportunidades únicas. Fiz amigas para a vida inteira – a maioria esmagadora das profissionais eram mulheres. Essa empresa foi uma ótima escola e foi onde descobri outra paixão: o computador. Enquanto muitas pessoas tinham medo do teclado e não sabiam que botão apertar, eu saía fuçando em tudo para ver como funcionava.
Em 1996, entrei em Letras Tradução Português-Inglês na PUC-SP. Adorava as professoras, muito dedicadas, e achava as aulas extremamente interessantes. Passava aulas e aulas botando a mão na massa, traduzindo artigos de Newsweek, Times, textos jurídicos… e gostava cada vez mais.
Aos 21, fui contratada como PM pela Astratec, agência de tradução e localização, queria sempre aprender mais. Nessa época, era trabalho e faculdade. Muitos desafios. Foi muito bom porque, mesmo trabalhando como PM, continuava traduzindo na faculdade.
No trabalho, já usava e fuçava em algumas com as CATs, mas na faculdade isso só aparecia na teoria. Em 1998, em um simpósio, fui convidada a dar uma palestra sobre o Trados, era a primeira vez que a maioria dos participantes (alunos ou professores tradução) ouvia falar sobre isso.
Três anos mais tarde, recebi uma oferta de emprego fora do Brasil. Para trabalhar na minha área! Nem pestanejei. Vim para Dublin fazer parte da equipe de tradução da Lexmark. A equipe contava com uma francesa, uma italiana, uma alemã, uma espanhola e uma brasileira – eu! Tive contato com muitas culturas, já que o departamento era ao lado da central de suporte. Havia gente de mais de 100 países. Quando havia confraternização, era muito divertido, muitas comidas típicas e também muitos desencontros linguísticos…
Dublin não foi um destino aleatório. Aqui era o hub mundial da localização. Os incentivos fiscais para empresas de tecnologia atraíram as gigantes da área. Com a tecnologia, veio a localização. A Microsoft chegou a ter uma equipe interna de localização composta por 200 pessoas de todos os cantos do mundo.
Este ano faz 20 anos que escolhi minha carreira. Já fiz de tudo ligado à localização, trabalhei em empresas grandes e pequenas, em agências e clientes finais, como freelancer e empregada, nas funções de tradutora, revisora, coordenadora de projetos, PM, tester de software e games, gerente de fornecedores, engenheira de localização… Deu para perceber o quanto sou curiosa?
Durante todo esse tempo, sempre me incomodou o fato de que as empresas e, em especial, as agências tentam esmagar o tradutor, seja diminuindo as taxas, aumentando a produtividade esperada, ou querendo se eximir de “erros” na tradução quando não há contexto, dúvidas ficam sem responder, ou as instruções estão erradas.
Atualmente, trabalho na Chillistore Technologies, em parceria com a Anna Woodward, minha amiga de longa data, e que conheci quando trabalhava na Astratec, nos idos de 1997 ou 1998. Temos como missão oferecer o melhor serviço possível sempre com um sorriso no rosto. Prestamos serviços ligados à localização, incluindo LQA, revisão de telas de software (in-context review), curadoria de páginas da Web, terminologia, revisão e preparação de glossários, preparação de MT, pós-edição de MT, SEO multilíngue, entre outros.
Coordenamos projetos com até 45 idiomas. Organizamos treinamentos sobre as ferramentas dos clientes para nossos colaboradores. Selecionamos os melhores revisores, que conhecemos ao longo da carreira em localização. Pagamos em dia. Como PMs, procuramos obter o maior número possível de informações e instruções, damos o apoio necessário para que os revisores possam realizar as tarefas da melhor maneira possível. Queremos mudar o mundo…
Até que, para quem não sabia o que queria ser quando crescesse, cheguei longe, e tudo começou quando tive a chance de “entrar na tradução”.
Agradeço à Sheila pelo convite, foi muito bom poder relembrar e refletir sobre a minha trajetória profissional. Sucesso ao Multitude!
Marta Boer é formada em tradução inglês-português pela PUC-SP e residente em Dublin, Irlanda. Especializada em controle de qualidade de localização de software e outros serviços ligados à localização.
E-mail: [email protected] | Skype: madjuicer