Tecnologia do espaço aberto – parte 2

 

O encontro de junho em Curitiba foi baseado na Tecnologia do espaço aberto (TEA, ou OST em inglês, de Open Space Technology), uma abordagem para situações nas quais um grupo diverso de pessoas deve lidar com questões complexas de forma produtiva. Falamos sobre isso no artigo anterior, e nesta segunda parte, vamos apresentar o resto da discussão feita no dia.


Questões de profissionalização

A primeira dúvida discutida foi a necessidade de abrir empresa ou não, uma decisão relevante para os iniciantes que estão tentando entrar no mercado. Mesmo veteranos podem se deparar com essa necessidade, ao buscar outros caminhos, especializações ou oferecer mais serviços, pois isso pode implicar abrir uma empresa (algo que até então pode não ter sido necessário, dependendo da natureza do trabalho que fazem). Esse foi o primeiro impasse levantado na discussão, mas outras preocupações, como definir preços ou como lidar com agências, também foram colocadas por várias pessoas.

E ainda há outros desafios e estímulos na decisão de abertura ou não de uma empresa:

  • contas bancárias de pessoa jurídica são mais caras;
  • as despesas de operação e manutenção são mais altas que as de pessoas físicas;
  • muitas agências, e não apenas os clientes diretos, pedem nota fiscal;
  • qual é o tipo de pessoa jurídica, pois a única opção que temos hoje é ser microempresa;
  • é preciso definir quem será o seu cliente, o que implica saber qual é ou será o volume de trabalho e se ele justifica as despesas de abrir uma ME;

Nessa altura da discussão alguém perguntou se o MEI (Microempreendedor Individual) pode ou não contemplar serviços de tradução. E há muitos que fazem isso, pois há clientes que aceitam notas fiscais com discriminação de serviços semelhantes, mas de outras categorias. Mas às vezes é preciso discriminar na nota fiscal que o serviço prestado foi mesmo de tradução, e isso ainda é proibido pelo MEI. E as várias discussões que acontecem nos grupos de tradutores on-line sugerem que esta opção não estará acessível por um bom tempo ainda.

Há uma polêmica sobre grupos diferentes que tentam conseguir coisas diferentes: ME que contemple “todos”, mas acessível apenas a quem pode pagar as despesas, relativamente altas, o que exige bom volume de trabalho, e MEI que contemple quem tem pouco volume de trabalho no Brasil ou está iniciando na carreira. A discussão levantou também a necessidade de haver um sindicato ativo para buscar soluções, mas a situação atual é desanimadora. Comentou-se também, que há um grupo específico de TPICs (Tradutor Público e Intérprete Comercial, o profissional que faz tradução juramentada) que “acampa” em Brasília para tentar conseguir o MEI.

Outro desafio para os iniciantes é como prospectar clientes. As sugestões foram:

  • abrir um perfil em plataformas de trabalho especializadas ou profissionais, como o Proz e Upwork;
  • fazer parte de grupos de tradução voluntária como forma de se expor.

Questões que podem ser um problema não só para iniciantes:

  • receber por cheque, que envolve muita burocracia;
  • preços combinados antes que mudam depois;
  • “profissionais” que oferecem tradução juramentada a um terço do valor, o que é ilegal;
  • falta de clareza sobre os limites ético e de mercado;
  • a dificuldade de saber o que cobrar, mesmo na tradução juramentada, pois a análise de documentos pode ter discrepâncias (foi lembrada a apresentação na ATPP e os 26 pontos de diferença que podem haver nesta análise).

Os profissionais presentes que fazem tradução juramentada aproveitaram para esclarecer alguns pontos de dúvida comuns:

  • a tradução juramentada deve ser entregue como documento físico, mas não é preciso que o original seja enviado fisicamente para que ela seja feita, é preciso apenas que exista e sejam apresentados em conjunto depois;
  • há problemas com falsificação e venda de carimbo;
  • o concurso mais recente resultou em um excesso de profissionais no mercado de Curitiba e há quem atenda mais clientes fora do que aqui;
  • há escolas que oferecem tradução juramentada, uma prática que pode não ser legal.

Com esse ponto foi levantada a questão dos problemas comuns que podem interferir na qualidade da tradução e prestação de serviços profissionais, como a qualidade na escrita da língua nativa. O espanhol é até mais complicado por causa da “facilidade” percebida, mas irreal, de transporte ao português (foi até contado um caso em que alguém perdeu o emprego por conta de tradução errada trocando bilhão por milhão em espanhol).

Ao discutirmos a questão de como não se queimar no mercado, os seguintes pontos foram levantados:

  • não se deve atender pedidos de ajuda gratuita, como aluno pedindo ajuda ao professor;
  • há dúvidas sobre a relevância de apresentar referências ou não;
  • as vantagens e desvantagens da (in)visibilidade: às vezes é bom não termos crédito pelas traduções, pois não é incomum o trabalho ser editado e descaracterizado posteriormente;
  • é preciso saber como receber críticas e aproveitar as oportunidades de defender seu trabalho, validando as escolhas feitas com referências confiáveis;
  • há várias questões que podem fazer um revisor ser mais crítico, mas ele não deve desqualificar o tradutor e sim criticar o trabalho;
  • muitos revisores ainda trocam seis por meia dúzia, prejudicando o tradutor, mas há casos em que mudanças de estilo realmente melhoram o texto, o que falta é uma comunicação melhor entre os profissionais;
  • amadores prejudicam o mercado porque cobram valores pífios e a qualidade pode ser ruim a ponto de, por exemplo, não se conseguir publicar um trabalho dentro dos padrões exigidos por conta da tradução mal feita;
  • mesmo com as reclamações pelos valores cobrados, são essas situações que amadores criam que justificam exigir o pagamento devido pelo serviço bem prestado.

A discussão voltou-se à questão de preços e que a produtividade é um aspecto muito relativo nisso, apesar de influenciar. Há quem acredite que cada tradutor tem uma tarifa única, mas na verdade, todos têm clientes com valores variados, e mesmo os que pagam pouco às vezes são a salvação na época de vacas magras, e uma forma de equilibrar o orçamento. Ao falarmos da “Tabela Sintra”, todos concordam que os valores dispostos nela são irreais, pois não refletem a inteireza do território brasileiro, não fazem diferenciação por especialização, tipo de texto, uso de CAT tools, prazos, entre outras questões. E é bom conhecer outras realidades em termos de cobrança, para ampliar as noções do que se aplica às necessidades e situação de cada um.

Alguns fatos levantados em relação a clientes foram:

  • mesmo no exterior há variações de mercado na realidade atual, e uma agência na Inglaterra, por exemplo, pode pagar menos a tradutores de fora ou migrantes, aproveitando a situação de oferta barata por necessidade;
  • quem contrata serviços de tradução tem uma necessidade pontual, o que explica a falta de conhecimento da nossa área por parte dos clientes, muitos só precisam dos nossos serviço uma ou outra vez na vida;
  • clientes têm ciclo de vida, o de hoje pode não ser de amanhã;
  • ofertas de trabalho de agências que diminuem os valores pagos por conta das correspondências de ferramentas de tradução (palavras repetidas) são comuns;
  • é comum que as agências usem TMs de qualidade ruim e com erros, mas não pagarem pra corrigi-las;
  • correspondências falsas que não podem ser corrigidas também podem ser um problema e exigir soluções criativas em situações limite (como problemas de gênero, em que se troca “nenhum/a” por “inexistente”, por exemplo).

E quais são as soluções? É preciso definir quais são os seus clientes, para decidir se (ou por quanto tempo) o tradutor permanecerá generalista ou se buscará uma especialização logo que for possível, se os clientes que quer atender exigem a abertura de empresa ou se podem ser atendidos por pessoa física, enfim, saber qual é o seu nicho. Definir o tipo de cliente vai definir a necessidade de nota fiscal e se vale a pena ter empresa naquele momento. Para trabalhar com clientes no exterior, por exemplo, não é preciso ter empresa, e o pagamento de impostos é feito como pessoa física. E localmente pode-se abrir um MEI, conforme as condições colocadas pelos clientes e se a previsão de renda mensal for de no máximo 6.000 reais por mês.

Alguém comentou que fez uma análise comparativa entre os custos de trabalhar como PF e PJ , chegando à conclusão de que o pagamento do Imposto de Renda para pessoa física chega a um ponto de equilíbrio quando a renda passa de 8.000 reais por mês, situação na qual pode valer a pena virar ME. Enquanto não se chega lá, pode-se ter um MEI em área correlata se não houver exigência de discriminação como tradução na NF e as ocupações mais usadas neste caso são revisão, editor de livros, professor de idiomas ou digitador, que também inclui preparação de textos. Então o MEI pode ser uma porta de entrada válida. Quem trabalha só com agências no exterior não precisa nem de ME ou MEI, pode manter-se como PF. Mesmo pagando mais IR e com despesas de transferência e câmbio, a diferença no valor pago ainda costuma compensar.

É preciso também pensar na aposentadoria, e numa discussão geral sobre o tema, foi comentado que o pagamento não está sendo feito corretamente para quem se aposentou e que as regras mudaram para uma escala de progressão, contando os últimos 100 meses para o cálculo. O pagamento do INSS é facultativo para autônomos e pode começar com um salário e ir aumentando. Há também a opção da previdência privada, que é regulamentada pelo SUSEP ou ainda de fazer investimento por conta própria, embora haja benefícios que o INSS talvez ofereça de forma mais acessível, como auxílio doença, gestação, etc.

Discutiu-se então o gerenciamento do dinheiro, que faz muita diferença em qualquer decisão profissional. É preciso conhecer as opções para receber de clientes, tanto localmente como do exterior, pois há muitas opções, umas mais, outras menos vantajosas. Por exemplo, receber de fora direto na conta bancária implica pagar taxas altas e câmbio, e ter uma conta no Payoneer (com direito a cartão de débito recarregável), que faz transferências como banco local pode ser melhor. Outra opção é ter uma conta da Associação American de Tradutores (ATA, American Translators Association), que dá direito a uma conta bancário nos EUA e saques em caixas eletrônicos no Brasil.

E estes foram os comentários finais feitos a respeito de práticas de recebimento e estabelecimento de tarifas:

  • é preciso prospectar mais para não cair na tentação de ficar recebendo pouco;
  • é possível manter clientes que pagam pouco, mas não têm trabalho constante, pois eles ajudam a equilibrar as contas;
  • há quem dê descontos por pagamento antecipado;
  • não há um padrão de prazo de recebimento, há quem feche o mês no dia 30 e receba no dia 5 do mês seguinte, há quem receba 30, 45, 60, 80 dias depois;
  • é possível administrar recebimentos em 60 ou 80 dias acontece, quando há um fluxo constante de trabalho;
  • há quem diga que USD 0,06 é média de mercado lá fora;
  • os preços diferem conforme haja exigência ou não de nota fiscal;
  • mesmo na tradução juramentada acontecem variações de preço;
  • há quem cobre menos porque produz mais;
  • uma comparação comum é com quem vende cachorro-quente e quem vende caviar, há clientes para ambos e cada um escolhe o produto que prefere vender: é preciso falar isso para os iniciantes e orientar o cliente sobre o tipo de serviços que prestamos.